21 dezembro 2010

MEMÓRIAS DE UM PÚLPITO

 
MEMÓRIAS DE UM PÚLPITO

 
                                                                

" 03 de setembro de 1978 -
Hoje eu nasci. Eu era uma árvore frondosa junto à floresta da Amazônia. Estava no caminho das máquinas que arrumavam a estrada que construiram. Então me cortaram. Pensei que seria o meu fim. Levaram-me para a a madeireira e fizeram de mim uma prancha bem trabalhada. Fui para São Paulo, num estoque gigantesco de madeiras. Fiquei 3 anos ali. Na semana passada vieram me buscar. Levaram-me para uma marcenaria. Cortaram-me, colaram-me,  pregaram-me e transformaram-me num púlpito de igreja. Disseram que serei muito útil nos trabalhos de Deus. Fico feliz. Fiquei muito bonita, aliás, muito bonito, pois agora não sou mais A TÁBUA, mas O PÚLPITO. Vamos ver o que me acontece..."
" 09 de setembro de 1978 -
Acabo de chegar à igreja. Nossa, que lugar grande! Eles estão terminando o templo e vão inaugurá-lo amanhã. Todos os bancos novinhos em folha, o chão com revestimento de ardósias, o teto com lindo forro de gesso. Acho que será uma festa e tanto! ..."
" 10 de setembro de 1978" -
Agora descobri para que sirvo. O pastor coloca a bíblia sobre mim, mantem-na aberta num trecho e prega o que está escrito. Que honra servir a Deus desse jeito! Parece que todos gostaram de mim! No final do culto muita gente veio até mim e deu toques com a mão, falando da beleza do acabamento, da qualidade da madeira, do quanto combinou com os bancos, etc. Estou muito satisfeito! Colocaram um montão de bíblias e folhetos no armário que está dentro de mim. Também resolveram guardar microfones e cordas de violão. Sou polivalente! ..."
" 05 de junho de 1982 -
Estamos em conferências aqui na igreja. Uns pastores americanos foram convidados para pregar. Eu já estou conhecendo bem as Escrituras Sagradas. Também, pudera: dia após dia ouço o pastor e os pregadores que se sucedem. Até critico os pregadores! Tem uns que são ótimos. Outros, porém, percebo que estão enrolando, ou apenas apelando às emoções. Mas está sendo ótimo este evento..."
" 04 de julho de 1984 -
É mês da mocidade. O culto desta manhã foi dirigido por eles. Um rapaz magrinho, de 16 anos, foi convidado para pregar. Nossa! Ele tem futuro! Já faz pose de gente grande, ele realmente leva jeito de pregador! Gostei. A mocidade está de parabéns. Espero que muitos novos talentos apareçam aqui. Terei prazer em auxiliá-los!..."
" 10 de maio de 1991 -
A igreja está trocando de pastor - Parece que houve um problema com o anterior e eles resolveram aceitar o seu pedido de exoneração. Eu gostava tanto dele! Apesar de que muitas vezes apanhei: ao pregar, ele dava uns socos em mim, frisando alguns textos. Eu agüentava, era pra Deus! Mas agora ele foi embora. Que triste. Espero que o outro seja tão bom quanto este..."
" 18 de agosto de 1996 -
Cinco cupins tentaram entrar na minha base hoje à tarde. Eles sairam em revoada de primavera, perderam as asas, cairam no chão e foram devorar as minhas bases. Graças a Deus eles sentiram o gosto do veneno que colocaram em mim quando me fizeram. Ficaram tontos e foram embora. Falei como o pastor: "Yess!...". Ou como o presidente dos jovens: um a zero pra nós!..."
" 03 de janeiro de 1998 -
Hoje eu servi de pedestal para bebês: o pastor apresentou o primeiro bebê nascido neste ano. Colocou-o sobre mim. Que ternura! Quase que o bebê me molha, mas foi ficou só no "quase". Estou feliz! Como me sinto útil no trabalho do Senhor!..."
" 15 de novembro de 1998 -
Estou sentindo algo estranho. O pastor é meio esquisito, parece que não gosta de mim. Outro dia, quando ele foi me usar, disse: "porcaria de tranqueira que só ocupa espaço..." O microfone estava desligado, mas eu escutei em alto e bom som. O pessoal daqui não estã mais me usando como antes. A criançada cresceu, virou adolescente, e agora toca muito bem os instrumentos. Mas o pastor acha tão bonito, que diz não haver necessidade de pregação, e manda colocar-me de lado, cobrindo-me com a toalha da mesa de Ceia. Estou achando estranho, mas, tudo bem. Deve ser uma fase..."
" 7 de fevereiro de 2000 -
Hoje aconteceu um acidente. Colocaram-me no centro da plataforma novamente (fazia meses que eu ficava no canto, utilizado só uma vez por mês). O pregador era de fora. Sempre colocam um copo com água para que o visitante beba. Parece que os pregadores agora ficam roucos (quando vim pra cá não tinha dessas coisas!). Só que, na hora em que ele foi dar um tapa na bíblia e, conseqüentemente em mim, ele derrubou o copo e a água caiu. Penetrou toda em meu interior. Ah, meu Deus! Senti um pequeno estufamento na parte superior. Espero que seja passageiro e que amanhã eu volte ao normal..."
" 23 de outubro de 2000 -
Estou encostado na parede do batistério da igreja há 3 meses. Eles não me usam mais. A plataforma serve agora para instrumentos musicais e para as pessoas que chegam chorando. O auditório da igreja mudou muito! Eles pulam tanto durante o culto que chegam a suar! Depois choram; eu não entendo! Se sofrem tanto, por que fazem? Tenho saudades do meu tempo de ser usado como apoio dos pregadores! No meu armário as bíblias estão cheias de traças. As cordas de violão enferrujaram (só usam instrumentos elétricos agora). Tenho duas hóspedes: uma barata, que está com um ninho repleto de ovos, e uma aranha, que adormeceu e há mais de um mês não acorda. Vamos ver o que acontece..."
"02 de janeiro de 2001 -
Colocaram-me no porão. Dizem que a igreja tem que se modernizar, que não há lugares para velharias. Seria meu novo nome? "Velharia"? Prefiro ser chamado de púlpito. Aqui eu divido o espaço com o órgão, com pedestais usados, com uma pilha de hinários antigos, com as roupas do coral, e com bastante poeira. Às vezes aparece um casal de namorados procurando alguma privacidade, ou um irmão buscando refúgio para oração. Mas a maioria do tempo a porta permanesse trancada. É tão escuro e monótono! O que vão fazer comigo?..."
" 28 de novembro de 2001 -
Fui desmontado a golpes de martelo, marreta e pé-de-cabra. Esfolaram meu acabamento. Quebraram meus encaixes. Colocaram-me numa carroça de um homem chamado "catador de lixo". O que será que farão comigo?..."
" 05 de dezembro de 2001 -
Estou numa grande pilha de madeiras velhas. Encontrei pedaços de uma árvore lá da Amazônia, ficava pertinho da minha copa. Que saudade! Mas saudade mesmo estou da igreja. Será que virão me buscar? Irão me reformar? Disseram que eu serei "reciclada". O que viria a ser isso? Espere: estou vendo uma coisa.... Estão pegando as madeiras da pilha ao lado e ateando fogo! Deixe-me escutar o que eles dizem: "Tião, pode queimar essa pilha toda, porque não presta pra nada! ..." Era isso que chamavam de "reciclagem"? Acho que estou correndo perigo!..."
" 21 de dezembro de 2001 -
Hoje eu morri queimado..."
FIM.
Pr. Wagner Antonio de Araújo

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